Óticas do Povo, de Grande Otelo e Jair Rodrigues, hoje tem Fernanda Lima.
Há poucos dias faleceu o maior líder negro da história contemporânea, Nelson Mandela. O ex-presidente da África do Sul lutou pelo fim do apartheid, um regime de segregação racial que imperou por décadas no país. Madiba almejou a igualdade entre brancos e negros em todas as esferas sociais.
Certamente, se morasse no Brasil, Mandela se indignaria por um país com maioria negra ter apenas cerca de 8,5% de negros fazendo propagandas na TV. É fato, durante três dias assisti a 50 propagandas de produção nacional de diversos ramos de negócios, onde contabilizei, entre protagonistas, coadjuvantes e figurantes, 223 brancos e apenas 19 negros.
Quem puxa a média para cima são as empresas estatais, como a Caixa Econômica, os programas como Minha Casa Minha Vida, Correios e Petrobrás, onde o índice de negros é extremamente maior, chegando a 44%. A segregação está nas propagandas das empresas privadas, onde a taxa é de 3,6% de negros.
As empresas podem justificar dizendo que seus produtos são para brancos, o que não seria verdade. Ou me diga se negros não comem margarina, não vão a supermercados, não possuem conta em bancos, não tomam cerveja, não usam produtos de limpeza e não compram TV e DVD em lojas de departamento?
Salvo raros casos como o da C&A, com o Sebastian de garoto propaganda, os negros só protagonizam comerciais quando são famosos atletas, músicos ou atores, ou quando o produto é específico para negros, como produtos para cabelos crespos. Há também outra situação em que negros são destaque: nas propagandas políticas. Sim, quando um partido político deseja falar sobre projetos de melhorias nas comunidades carentes e construção de parques em bairros populares, os atores negros são convocados para fazer a publicidade.
Na TV, em geral, nós vemos essa segregação. Como se já não bastasse o negro quase sempre representando a classe baixa nas novelas e filmes brasileiros, até no futebol onde temos maioria negra nos campos, os ex-jogadores com cor de pele escura raramente conseguem se tornar comentaristas de futebol. Podemos citar: Caio Ribeiro, Edinho, Edmundo, Casagrande, Beletti, Neto, Roger Flores, dentre outros. Todos de tom de pele bem claro.
O perfil predileto para a TV é o jovem branco de cabelo liso. O que o publicitário brasileiro e as empresas clientes não perceberam, é que a classe C, que vem aumentando e consumindo cada vez mais, é de maioria negra. E esse público quer se identificar com o produto que consome, ele quer se ver na TV. O publicitário já sabe que muitas vezes, fazer diferente do resto e sair do óbvio é primordial para se destacar, porém nesse ponto parecem não querer arriscar.
Espero que as corporações apostem mais em elencos de negros em seus anúncios, desejo ver mais de Brasil nas propagandas brasileiras. É assim que Mandela pensaria e é nisso que eu acredito.
Gabriel Pinciara
Excelente percepção! Ta na nossa cara e muitas vezes não percebemos, pois sempre foi assim.
Parabéns pelo texto.
Alexandre Bento
Obrigado Gabriel. Realmente é um apartheid sigiloso. Precisamos denunciar, pois parece que a população e as empresas fazem vista grossa.
Abraços!
Izabela Reis
Gostei da ideia do seu texto Alexandre. Realmente, podemos constatar muito isso, fiquei lembrando das propagandas de automóveis onde nos ícones são sempre aquele homem alto, branco de cabelo liso. Agora eu também lembrei das propagandas da marca DOVE. Essa eu acredito que lembra do público negro, em suas campanhas. Em 2010 fez aquela campanha com 20 mulheres ‘comuns” que se inscreveram na internet. Foram escolhidas pela Ogilvy tipos físicos, idades e perfis profissionais variados. Parabéns pelo texto.
Alexandre Bento
Oi Izabela, pois é, quando a empresa arrisca colocar pessoas que são fora do perfil que estamos habituados a ver, a lembrança da propaganda e da marca certamente é maior.
Abraços
Vladimir
Gostei muito!
Alexandre Bento
Obrigado Vladimir! Seja sempre bem vindo. Sempre temos assuntos importantes a serem discutidos por aqui.
Abraços
Heron Xavier
Alexandre, parabéns pelo artigo! Muito bem redigido e de fácil interpretação.
Este é um tema delicado sabe…pensei em várias coisas para escrever aqui, mas aí…deixei para lá. Concordo contigo, o público C é ávido pelo consumo e vejo que se identificam com os produtos oferecidos, sejam eles vendidos por brancos, ricos, negros ou afins.
Se eles consomem, é por que se identificam, correto? Vi uma vez na TV uma pesquisa sobre o assunto, onde pessoas falavam que gostariam de ver mais “pessoas reais” na mídia. A Dove fez uma propaganda com mulheres reais e faturou muito; a Caixa Econômica, com Camila Pitanga, manda muito bem e Regina Casé é a cara do Brasil…
…mas sei não viu, a publicidade, assim como a TV e os filmes, vendem sonhos: profissionais de marketing e propaganda vendem sonhos…para pessoas reais de todas as cores, de shapes diferentes e de classes sociais e culturais diferentes.
Então, acredito que tudo continuará como está e o consumo não cairá.
PS.: o filme Invictus retrata muito bem a luta pela igualdade entre as raças e a liderança nata de Nelson Mandela. Quem ainda não assistiu, vale a pena conferir.
Grande abraço Alexandre!
Alexandre Bento
Oi Heron, como você mesmo observou, tanto a Camila Pitanga, quanto a Regina Casé, que não são morenas, e não neras, fazem propagandas da Caixa e do prorama minha asa minha vida, logo programas do Governo. E neste quesito não há problemas mesmo, no texto eu menciono que nas propagandas das estatais os atores negros representam 44% do total de atores. A segregação está nas empresas privadas, onde o índice é de 3,6%.
grande abraço!
Heron Xavier
Me lembrei: o próprio nome “óticas do povo” retrata algo mais popular…mas aí, você vai à loja e não vê óculos baratos, mas sim marcas e acessórios de moda para os olhos….
O povo gosta é de luxo!
Alexandre Bento
É para refletir mesmo…
Eliane Lages
Parabéns pela criatividade e visão ampliada da área! Realmente, essa questão da segregação racial é muito delicada. É triste ver que alguns profissionais de comunicação ainda desenvolvem suas propagandas para promover produtos e serviços apenas para poucos, quando na verdade deveria ser para muitos.
Abraços, Eliane Lages.
Alexandre Bento
Oi Eliane, cabe a nós, profissionais de marketing mudarmos este jogo!
Abraços e obrigado!
Mateus Rosa
Alexandre texto fantástico, parabéns pela percepção e abordagem realmente nunca parei para pensar neste contexto.
E concordo com a Eliane.
Grande abraço.
Alexandre Bento
Oi Mateus, a intenção é mesmo pararmos para pensar, refletirmos, tirarmos nossas próprias conclusões e formarmos nossa opinião. O objetivo do texto era relatar a contagem e deixar com que os leitores formem suas opiniões com base nela.
Gde abraço
João ANTUNES
Parabéns Alexandre por esta análise.
O poder aquisitivo da grande maioria da população negra está certamente na origem desta descriminação, mas a segregação racial é inadmissível.
Há que enfatizar estes factos e lutar para que as mentalidades dos decisores do Brasil mude para, como refere a Eliane Lages, se passem a aprovar propagandas para promover produtos e serviços para um maior número de consumidores e não apenas para um segmento da população.
Alexandre Bento
Com certeza sr. João, você e a Eliane estão cobertos de razão.
Ontem li no O Globo uma notícia boa: A Monte Carlo, loja de JOIAS, escalou uma mulher negra (que não é famosa), para estrelar sua nova campanha. Ponto para eles!
Gde abraço!
Vanessa Alkmim
Excelente texto, Alexandre!
Realidade muito bem observada.
Espero que as empresas e agências também tenham essa percepção, pois também quero ver mais Brasil na publicidade brasileira.
Abraços,
Vanessa Alkmim