A participação feminina à frente de negócios no Brasil tem crescido consideravelmente nos últimos dez anos, gerando um aumento de 21%. As estatísticas apontam, com destaque, que negócios liderados por mulheres têm uma taxa de sobrevida bem maior que os liderados pelos homens. Nesta entrevista converso com a empreendedora Deborah Munhoz, cuja trajetória pode servir de inspiração para todos nós, leitores do blog. Confira!
Implantando Marketing: Para você o que é empreendedorismo?
Deborah: Empreendedorismo para mim pode ser considerado tanto uma ciência como uma arte de fazer acontecer, de transformar sonhos em realidades. A pessoa que empreende é um agente de transformação que possui características como: capacidade de imaginação, determinação, habilidade de organizar, liderar e inspirar pessoas, ter conhecimento técnico, autoconhecimento e também saber usar os talentos de outras pessoas para ir além. Empreender é, antes de tudo, uma atitude capaz de gerar valor para a sociedade e para o mundo. E isso pode acontecer dentro de uma estrutura pronta (intraempreendedorismo) como também dentro de uma nova estrutura criada por quem empreende (uma empresa ou uma ONG).
Implantando Marketing: Conte-nos um pouco da sua história, sobre quando começou a empreender seu próprio negócio.
Deborah: Minhas primeiras iniciativas de empreender meu próprio negócio começaram quanto terminei o mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no final da década de 1990. Comecei a oferecer cursos livres de alfabetização ecológica e química da água para profissionais não químicos, ambos os temas até hoje pouco conhecidos no Brasil. O problema na época era que a divulgação era muito dispendiosa e ainda não tínhamos a facilidade que a internet nos proporciona.
De 2000 a 2006, trabalhei muito como intraempreendedora dentro da Gerência de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG). Nesse período, criei e coordenei o primeiro grupo de trabalho de Centros de Educação Ambiental de Empresas do Brasil, do qual participavam quase todas as grandes mineradoras do estado. Esse trabalho foi matéria do Jornal Valor Econômico em 2005 e deu um retorno de mídia gratuita mais de 10 vezes superior ao orçamento que o meu setor tinha para trabalhar durante o ano.
Em 2007, me tornei palestrante profissional, após reconhecer que era a principal demanda de trabalho que passei a ter quando sai da FIEMG. Fiz uma pesquisa e percebi que no Brasil quase não havia mulheres palestrantes e, principalmente, que praticamente todos os palestrantes na área ambiental eram da área de comunicação, atores, jornalistas globais ou donos de empresas de cosmético. Comecei então a desenvolver minha visão de negócio. Embora fosse empreteca, a ideia da modelagem de negócio proposta pelo Alexander Osterwalde foi quem me ganhou a atenção. Vi ali uma forma simples e rápida de pensar sobre qualquer empreendimento. A partir do contato com o Canvas, minha visão estratégica mudou e comecei também a ler mais sobre o assunto e participar de workshops relacionados ao tema. Entrar para o Impact Hub BH também contribuiu muito para ampliar minha visão empreendedora alinhada com o século XXI.
Implantando Marketing: Quando você começou, precisou usar a sua criatividade? Como foi?
Deborah: Sempre tive comportamento empreendedor e criativo. Vou falar de um processo de criação mais recente, pois ele se tornou uma oportunidade de negócio. No início de 2015, participei de um curso online promovido pelo MIT – Theory U: Transforming Business, Society and Self. O curso foi ministrado por Otto Scharmer, criador da Teoria U. Ao final do curso, os participantes foram convidados a desenvolver um protótipo utilizando a Teoria U para resolver algum problema da atualidade. O meu grupo escolheu o tema “Consciência Empreendedora”. Pensando em minha própria experiência de vida e baseando-me na minha experiência de mentora voluntária da Aliança Empreendedora, desenvolvi um protótipo escalável para ajudar universitários a fazerem a transição entre o mundo acadêmico e o mercado de trabalho. Esse protótipo gerou quatro produtos: duas palestras, um curso sobre “Introdução ao Empreendedorismo para Cientistas” e um serviço de mentoria online para alunos das áreas de ciência e tecnologia. Todos os produtos foram validados. A primeira universidade a comprar o curso foi a UNESP, de Botucatu. Estive lá em junho, ministrando um curso para doutorandos e mestrandos em Biotecnologia e Farmacologia. E já estou atendendo como mentora alunos de doutorado. Uma das palestras desenvolvidas foi sobre “Como cobrar serviços na área ambiental’. Ela foi ao ar no dia 8 de setembro dentro do Congresso Nacional de Meio Ambiente – CONMAS 2015 e teve 812 participantes on-line, do Rio Grande do Sul até o Pará. As pessoas já estão começando a me chamar de “mentora de cientistas”.
Implantando Marketing: Quais são os diferenciais do seu negócio?
Deborah: Uma das minhas habilidades é a de comunicar temas complexos de forma simples. Essa habilidade é bastante útil tanto como palestrante quanto no trabalho de consultoria em economia de materiais. Por ter a formação e experiência de trabalho como técnica e bacharel em Química, isso me proporciona um olhar bastante diferenciado sobre o mundo. Utilizo essas habilidades de acordo com diferentes situações e necessidades.
O trabalho de mentoria para cientistas já existe nos Estados Unidos e Europa. A metodologia da mentoria é baseada na Teoria U e na Ecoliteracy de Fritof Capra. A inserção de valores humanos e princípios de autoeducação para a preparação da modelagem da carreira como estou propondo ainda não encontrei no Brasil. Nesta primeira fase, o atendimento será online e em tempo real, mas em um futuro próximo esse atendimento será através de vídeos gravados, dando escala para o negócio. O mercado abrange Brasil, América Latina e países de língua portuguesa.
Implantando Marketing: De onde vem sua inspiração? De onde você tira as suas ideias? Você costuma viajar pelo mundo para se inspirar em algum negócio inovador?
Deborah: Creio que inspiração e criatividade são característica de toda pessoa que durante a infância tem oportunidade de brincar junto a natureza. Um quintal com terra, plantas e árvores são um laboratório vivo para criação. Até hoje a natureza é a minha grande inspiradora. Aprendo também com meus próprios erros e necessidade de superar desafios. Pratico longas caminhadas e observo bastante pessoas e lugares. As leituras e bons vídeos também servem de boas ideias.
Um outro ponto importante são as viagens. Sempre gostei muito de viajar. Conhecer culturas, lugares e comidas diferentes ajudam a aumentar seu potencial de criação porque, para mim, te forçam a sair de zonas de conforto e muitas vezes desconstruir suas verdades. Tirei um período sabático pra ir morar na ilha de Malta, passei por Barcelona para estudar ecodesign aplicado por Gaudi na arquitetura. Também morei em Forest Row, na Inglaterra. Forest Row é uma vila onde o único supermercado da cidade divide os lucros com os clientes, tinha várias fazendas de grupos de proprietários que produziam gado orgânico. Eu morava ao lado de um dos bosques onde os antigos cavaleiros da rainha iam caçar e próximo da Floresta do Ursinho Puff. Ao ir para Malta, saí de um país gigante como o Brasil para viver em um lugar que a terra é tão escassa, que as casas crescem para cima e para baixo, nunca para os lados, cujas fazendas possuem 200m². São experiências que realmente inspiram e te mostram que outros modelos de negócios e de organização de sociedade é possível.
Implantando Marketing: Como você utiliza a criatividade no seu dia adia? Dê exemplos.
Deborah: Creio que a cozinha é um bom exemplo para citar, porque em geral os empreendedores comem muito mal, consomem muitas pizzas, café e miojo. Sabendo que na Europa em geral não se almoça, comecei desenvolvendo receitas inovadoras para fazer pratos rápidos e saudáveis para a hora do almoço e lanches para comer nos intervalos do dia, sem gastar muito. Isso continua até hoje, pois todos que empreendem sabem que a gente trabalha muito mais do que um empregado normal. A última criação foi fazer tapioca temperada com zattar, um tempero árabe. Fui procurada por um Chef de Cozinha e criei para ele um curso de Sustentabilidade à mesa… e por ai vai.
Uma das formas de usar a criatividade é tecer redes de contato. Quando vou a uma palestra, uso a criatividade para estabelecer conexões relevantes com as pessoas que me chamam a atenção. Em geral busco uma oportunidade de fazer uma pergunta objetiva relevante para mim e que desperte o interesse das pessoas pela resposta. É algo que vem de forma espontânea.
Implantando Marketing: Você se inspira em alguém que seja criativo? Um mestre, um guru, um empreendedor…quem te inspira?
Deborah: Como lideranças femininas gostaria de citar em primeiro lugar minha mãe, que foi uma mulher muito criativa e uma grande mestra. Ela foi um modelo de empreendedorismo feminino. Outro grande exemplo foi Anita Rodick, empreendedora e criadora da Body Shop, autora do livro “Meu Jeito de Fazer Negócios; Hazel Handerson, economista, criadora do Ethical Market Midia, da definição da Economia do Amor e dos índices Calvert-Handerson de Qualidade de Vida, dentre outras contribuições inovadoras.
Como inspiração masculina tem Fritoj Capra que sempre me inspirou como cientista com seu trabalho de Ecoliteracy; o índio brasileiro Kaká Werá, um amigo e grande mestre, com quem aprendi muito sobre liderança e sobre a sabedoria da natureza e mais recentemente, Otto Scharmer, criador da Teoria U. Todos, mulheres e homens, trabalham com a visão de novas formas de ser e fazer negócios no século XXI. Também leio muito sobre as grandes tradições filosóficas da humanidade.
Implantando Marketing: Inovação ainda é um termo muito distante do cotidiano de milhões de pequenos empresários. Como é possível inovar sem recorrer a grandes parcerias?
Deborah: A melhor forma é trabalhar com o autodesenvolvimento: tanto do próprio empresário quanto da própria empresa. Então a dica é: troque a mesa do bar por cursos online da Endeavor, Udemy, Bel Pesce, Seiti Arata, dentre tantos outros. Perca a barriga e cultive músculos para vencer o cansaço e ir abrindo a mente durante uma atividade física regular. Faça uma autorreflexão básica sobre sua própria conduta, as relações com empregados e fornecedores, as relações com o próprio mercado. Quais delas estão saudáveis? Os pequenos e médios empresários estão sempre apertados, devido a hostilidade que o próprio país tem aos empreendedores. Por outro lado, se eles não se esforçarem para unir forças, aprenderem a fazer uma pausa para pensar e repensar sobre seus próprios negócios, individual e coletivamente, não sobreviverão.
Implantando Marketing: Qual é sua recomendação ao pequeno empresário?
Deborah: Não existe uma receita fácil porque o Brasil foi construído como um país hostil a quem empreende honestamente. O empresariado da pequena e média empresa aprendeu a chorar sobre seus problemas, mas, ao contrário dos grandes, não se mobiliza de forma significativa para resolver estes mesmos problemas. A solução não virá do céu. Se querem sobreviver, terão que arregaçar as mangas, vencer o cansaço e a preguiça, o analfabetismo político e abrir a mente para estudar e ganhar mais cultura. O empresariado brasileiro tem muito pouca cultura, suas empresas são cheias de puxadinhos quer na estrutura física, quer na parte organizacional. A maioria é desorganizada, muitos tratam muito mal e exploram seus empregados. As empresas familiares são disputas de egos e de poder, muito pouco profissionais. Não dá pra continuar assim no século XXI. Como eles esperam sobreviver ao avanço da concorrência da China? Que futuro tem um país que continua vendendo commodities e com produtos de má qualidade? Basta olhar quanto tempo dura a sola de um sapato, a carga das canetas, uma meia calça…. A maioria dos produtos nacionais são ruins, não tem design. Aliás, muitos empreendedores acham que design é luxo. As empresas brasileiras, na sua maioria, estão produzindo produtos com baixo valor agregado que em pouco tempo vão para o lixo.
O empresariado precisa estudar mais, desenvolver modelos de negócio, investir em Design, aproximar mais da tecnologia, planejar, aproximar das universidades e buscar soluções, buscar fontes de financiamento. Precisa também ter maior participação social, ter uma visão política apartidária do seu negócio, do valor que sua empresa gera para sua família, cidade e país. Sem participação política consciente, apartidária, não há futuro para a economia do Brasil.
Implantando Marketing: Para finalizar, você se considera uma empreendedora criativa? Por quê?
Deborah: Sim, porque tenho consciência de que estou onde estou exatamente por minha capacidade de criar e me reinventar. É essa força criativa que me permitiu superar enormes desafios pessoais. Sem criatividade não há como sobreviver em um mundo de mudanças rápidas. Como disse o arquiteto curitibano Jaime Lerner, “quem cria nasce todo dia”.