A cidadania corporativa não é uma vitrine de comunicação, tão pouco storytelling emocionante para as pessoas compartilharem em suas redes sociais. Para ser uma corporação cidadã é essencialmente aliar o discurso à prática de negócios, ou seja, comunicar aquilo que a empresa concretamente realiza e como o faz. Quer checar se as empresas de sua preferência são cidadãs?
Vamos checar um único exemplo: Vale, responsável pela barragem rompida em Brumadinho/MG.
Sabe qual a missão, visão e valores defendidos pela companhia?
Missão: transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável;
Visão: Ser a empresa de recursos naturais global número um em criação de valor de longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta;
Valores: A vida em primeiro lugar; Valorizar quem faz a nossa empresa; Cuidar do nosso planeta; Agir de forma correta; Crescer e evoluir juntos; Fazer acontecer;
Ao que nos parece, há um severo desalinhamento entre o que a empresa se propõe e comunica como missão, visão e valores, e aquilo que é efetivamente realizado no dia-a-dia, a julgar pelas informações divulgadas nos meios de comunicação até agora. O que ocorreu em Mariana, e agora em Brumadinho, refletem o descaso da companhia ou, no mínimo, o desencontro entre o discurso e a prática.
Infelizmente, observamos o descaso da iniciativa privada sobre os recursos de que usufrui para exercer suas atividades organizacionais e de negócios. Há uma sensação concreta e clara de que o empresariado pensa e age com se tivesse todo o direito de dispor dos recursos naturais, financeiros e estruturais do país como se fossem seus, quando na verdade representam um bem coletivo pertencente a todos os nativos de um determinado país, mas também aos seres humanos que dividem a existência neste minúsculo planeta azul.
O princípio da cidadania corporativa, definido por Carrol¹ implica um pensar e agir sobre a performance social dos negócios, o que equivale a dizer sobre como a empresa exerce suas atividades de negócios com um pé no social. Há ainda uma controvérsia acerca do uso dos termos cidadania corporativa, responsabilidade social corporativa e ética corporativa. São termos distintos e não discutiremos aqui suas definições, mas fato é que estão entrelaçados em uma necessidade urgente: entendermos que estamos todos no mesmo barco chamado planeta Terra, e que os recursos não pertencem efetivamente a ninguém, mas a todos os humanos deste planeta.
Artigo na revista Exame² traz o seguinte trecho:
Desenvolve-se em todo o planeta uma onda que alerta que, além dos negócios, empresários e executivos devem agir para que as corporações sejam socialmente responsáveis em relação a todos os grupos sobre os quais exercem influência: acionistas, funcionários, fornecedores, clientes, comunidades vizinhas, a cidade, a natureza e o planeta.
Infelizmente a prática tem sido diferente!
O que temos visto é uma ampla gama de discursos bem elaborados, vídeos institucionais de fotografia e trilha sonora belíssimas, alimentados por bem planejadas ações em mídias sociais. Mas pouca prática de cidadania corporativa real, descaso, módicos pedidos de desculpas e muito sofrimento humano. Morin³ alertou para a complexidade dos problemas contemporâneos e destacou um aspecto muito interessante: apenas solucionaremos esta complexidade com a união de saberes distintos e com a colaboração mútua.
É redundante dizer que é inviável o modelo de negócios que vimos realizando até então. O século XX foi pródigo em expansão comercial, mas também foi pródigo em destruição ambiental, descaso com os direitos humanos, exploração da mão de obra barata, enriquecimento de uma minoria que amplia a profunda cisão que separa, ricos e pobres, em todo o mundo.
Observamos também a concentração cada vez maior de produtos e serviços sob o controle de poucas empresas em todo o mundo.
A cidadania corporativa é formada por quatro dimensões: econômica, legal, ética e filantrópica. Se considerarmos que a comunicação deve estar pautada por essas dimensões, cabe-nos avaliar se as organizações realmente são cumpridoras destas diretrizes. Identificamos que a pressão pelo retorno sobre o investimento parece ser o único trecho que se observa no cotidiano em detrimento de todos os outros aspectos.
Sinto-me indignada como profissional de comunicação, pela postura esquiva da maioria das organizações em situações de crises como essas. Sinto-me indignada como cidadã pela irresponsabilidade e falta de ética disfarçada por uma comunicação politicamente correta. Existem exceções, sim, mas são poucas.
No mesmo artigo citado anteriormente, publicado na revista Exame, há um trecho que destaca: podemos exercer a responsabilidade social e a cidadania em todos os papéis que vivemos na sociedade, como profissional e também como pai ou mãe, como cônjuge ou ainda como filho ou filha. O que não podemos é continuar empurrando com a barriga e ficar achando que ser socialmente responsável é para os outros.
Aparentemente, exercer cidadania corporativa e atuar de forma ética é também uma prática ainda muito distanciada do discurso comunicacional.